Ano novo, vida nova?




É interessante como o novo ano desperta uma magia em milhares de pessoas. Gostaria de refletir sobre a ilusão de que a virada do ano é um evento fenomenal que muda a vida da humanidade em questão de segundos. Compreendo o significado da passagem, que os seres humanos estão presos ao tempo, que  o início do ano traz a sensação de um novo começo, de um caderno em branco, de promessas a serem cumpridas e metas alcançadas.

É também comum ouvirmos que o ano só começa depois do Carnaval. E pessoas condicionadas a tal afirmação. É notório como a forma de pensar e o ambiente cultural influenciam na maneira de agir do indivíduo. O Reveillon passou e o Carnaval também, e o ano novo, como passará para cada um de nós?

O ano sempre será novo e único. 2013 jamais existiu e nunca se repetirá. Cada dia é diferente do que passou. A questão é: a nossa vida é renovada e transformada em cada ano que vivemos? Não bastam crenças, simpatias e superstições para alcançar o que se deseja, são necessárias metas, perseverança, empenho, trabalho, luta diária, traçar um caminho e seguir por ele, mudar de estrada se for caso, rever sonhos, acordar das fantasias, ter uma visão clara do que se deseja e onde quer chegar.

Também não é o ano novo que fará com que cada um se modifique. As pessoas mudam quando estão abertas à mudança, quando quem são causa sofrimento a si mesmas, perdas e riscos à própria vida. Aí se veem diante da única escolha: mudar.

O ano não se fará novo por si só nos dias de cada um, se nada for feito para que assim seja. Se as mesmas ações são cometidas, se os vícios permanecem, se as compulsões persistem, se a maneira de viver a vida e se relacionar com os outros forem os mesmas.

Ano novo? Sim. Vida nova? Depende de cada um!






Andréa Freire
Psicanalista

"Então é Natal, e o que você fez..."


Fim de ano chegando e com ele o balanço final de 2012, programação de Ano Novo, viagens e presentes. Para muitos é um alívio deixar para trás os dias difíceis e outros já estão com os olhos grandes em cima de 2013 que começará em breve. Livrar-se do que passou e abrir os braços para o que virá, esta é a sensação para milhares de pessoas.

É interessante pensar como definimos o tempo para tudo. Atitudes e mudanças que podem ser tomadas a qualquer momento são condicionadas às datas. Abraços, pedidos de perdão, reconciliação, encontro familiar, descanso, reflexões, expressão de sentimentos, falar com Deus, definir um projeto de vida e até mesmo a decisão de ser feliz acontece no Natal e no Ano Novo.

Não estamos presos às datas para fazer o que precisamos e desejamos, acompanhados ou sós, o essencial é sermos verdadeiros com as pessoas e conosco, buscar o equilíbrio interior, o bem estar consigo e com os outros. Centenas de pessoas sofrem neste período por estarem longe da família e dos amigos, por encontrarem-se trabalhando, por estarem sós. Outras procuram escapar ignorando a data ou reduzindo-a a um significado consumista. 

Estarmos em paz é um caminho de harmonia para com a vida ao redor, datas, significados, pessoas. Se nos sentimos bem sozinhos ou acompanhados, para festejar ou ficarmos olhando os fogos, é um direito nosso viver o momento condizente com quem somos e o que sentimos. Se estamos sós, que não seja solidão ou ausência de pessoas a tirar o significado das datas, que estejamos bem com o mundo que segue sem nos pedir permissão. Que festejemos, com uma taça de champanhe ou um copo de água refrescante, pois o que importa mesmo é o sentido da celebração, da vida! Paz e bem a todos!

Andréa Freire
Psicanalista

A Árvore da Vida

Uma boa pedida para uma densa reflexão é o filme "A Árvore da Vida". A quantidade de símbolos é tanta, que absorver tudo de uma só vez é impossível. São muitos detalhes e nuances, silêncios e palavras nas entrelinhas, sentidos subliminares, cores e imagens intensas... uma miríade de mensagens. Brad Pitt e Sean Penn são coadjuvantes, o filme é a estrela principal.

"A Árvore da Vida" não possui roteiro linear e muito menos se propõe a apresentar uma história com começo, meio e fim. Vida e morte fazem parte do fio condutor da obra, integrando o ser humano ao universo, seja pela força da natureza ou o mistério insondável do infinito. 


O nascimento de uma criança conecta-se ao Big Bang... o crescimento entre choros e risos, passos lentos e descobertas, é o movimento da Terra formando-se há mais de 10 bilhões de anos. Belíssimas imagens nos proporcionam uma viagem ao passado intocável, a natureza nascendo, a água fonte da existência, o fogo impiedoso e salvador das trevas, o início da vida em nosso planeta, dois dinossauros representando o feminino e o masculino, o silêncio que ninguém jamais ouviu...

Uma fotografia exuberante e trilha sonora instrumental perfeita acompanham as imagens densas, delicadas, felizes, tristes, compondo um diálogo com as palavras. Cenas de enquadramento tão íntimo, que deram-me a impressão de estar registrando tudo com meus olhos em câmara lenta, intensificando os traços do que via.

"A Árvore da Vida" é um filme filosófico, ainda com questionamentos espirituais, não é religioso, tem um alto teor existencialista. Emoções explodindo, sentimentos contidos, pensamentos sussurrados, gestos represados, nos mostram o quanto somos complexos, únicos ainda que participando da mesma dor e alegria, as personagens são tão reais quanto nossa família... o bairro de classe média, as refeições sobre a mesa, as descobertas e as perdas da infância, os sonhos desfeitos, a fragilidade na sombra da coragem, enfim, tão humanos quanto somos.

O filme tem início com Sean Penn e a selva cinza da modernidade, seus fantasmas ecoando em sua cabeça o levam a uma viagem até os anos 50... vemos o pequeno Jack nascendo e aprendendo a andar, tornando-se um garoto questionador e muito observador. 

Seu pai, interpretado por Brad Pitt (convincente), é severo demais, alternando momentos de carinho com repressão doentia. A mãe, doce e terna, forte presença na vida dos filhos, é sensivelmente interpretada por  Jessica Chastain, magnífica (sem exagero!). Vale destacar: o Complexo de Édipo é facilmente visto por nós.

"Pai. Mãe. Vocês estão sempre lutando dentro de mim. Sempre estarão". Diz o garoto de olhos expressivos de tudo e nada.

A morte do irmão ainda jovem de Jack, jamais esquecido pelos familiares, é permeada por questionamentos existencialistas: qual o sentido da vida? que estrada seguir? de que forma conquisto meu destino? por que o sofrimento e a dor? na dualidade do bem e do mal, qual vencerá? como compreender a vida e a morte caminhando juntas? por que Deus "dá" e "tira"? Aliás, o jovem ator que interpreta Jack criança encara de igual para igual os colegas mais experientes nas cenas.


Para nós, assistir "A Árvore da Vida" é um exercício essencial na compreensão do ser humano, transcendendo o olhar, procurando entender os símbolos, desconstruindo padrões, abrindo mão do convencional, aprendendo a buscar as perguntas certas para as respostas que precisamos, olhando para o outro sem esquecermos que somos igualmente diferentes e tão diferentemente iguais, nas mesmas aspirações e contrárias reações, essencialmente imperfeitos.

Um olhar pessoal sobre o filme é tão essencial quanto o psicanalítico. A subjetividade não deixa lugar para uma fórmula pronta de entendimento. Teu olhar não será o mesmo que o meu, nem as sensações e os significados, podemos até nos encontrar em alguns momentos, mas cada um carrega para si uma compreensão e assimilação únicas após o fim do filme.


"A Árvore da Vida"

Escrito e dirigido por Terrence Malick
Com Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain
Lançamento: 2011 (EUA)

Sinopse: A relação entre pai e filho de uma família comum, ao longo dos séculos, desde o Big Bang até o fim dos tempos, em uma fabulosa viagem pela história da vida e seus mistérios, que culmina na busca pelo amor altruísta e o perdão.



Ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes (2011).

Veja o trailler do filme logo abaixo!

Abraço!
Andréa Freire
Psicanalista


"Mary & Max - Uma amizade Diferente"

Duas pessoas de mundos diferentes, idades distantes, experiências distintas, mas que se encontram na ponte que a comunicação proporciona quando ousamos atravessá-la. Este é um dos meus filmes prediletos, pois avança o senso comum e nos incentiva a sair da zona de conforto.



Mary Daisy Dinkle (Toni Collette) é uma menina solitária de oito anos, que vive em Melbourne, na Austrália.  Max Jerry Horovitz (Philip Seymour Hoffman) tem 44 anos e vive em Nova York. Obeso e também solitário, ele tem Síndrome de Asperger. Mesmo com tamanha distância e a diferença de idade existente entre eles, Mary e Max desenvolvem uma forte amizade, que transcorre de acordo com os altos e baixos da vida.

Em tempo de mensagens virtuais e sms, os dois amigos se comunicam por cartas, trocam lembranças, objetos significativos, fotos, assim, aos poucos, a confiança os une e ambos aprendem as lições de vida que cada um oferece.

A animação adulta produzida na Austrália em 2009 desmonta o preconceito, revelado a dor e a beleza que todo ser humano tem em si mesmo.

Vale a pena assistir! Confira o trailler logo abaixo.

* Síndrome de Asperger:
É uma síndrome mais comum no sexo masculino. Quando adultos, muitos podem viver de forma comum, como qualquer outra pessoa, entretanto, além de suas qualidades, sempre enfrentarão certas dificuldades peculiares à sua condição. Há indivíduos com Asperger que se tornaram professores universitários.

Algumas características dos Aspergers são: dificuldade de interação social, dificuldades em processar e expressar emoções (este problema leva ao afastamento das pessoas por pensarem que o individuo não sente empatia), interpretação muito literal da linguagem, dificuldade com mudanças em sua rotina, pessoas desconhecidas, ou que não veem há muito tempo, comportamentos estereotipados. No entanto, isso pode ser conciliado com desenvolvimento cognitivo normal ou alto.



* Assista ao trailler! 

Andréa Freire
Psicanalista

Do durável ao descartável




Lembro-me da época em que as coisas eram feitas para durar. O vendedor na loja garantia que o produto comprado atenderia as necessidades do freguês pela vida inteira! Fui criada com o conceito do durável que abrangia família, amizade, casamento, conhecimento, roupas, sapatos, objetos, enfim, tudo que pudesse ser e estar ao meu redor.

 Hoje, o durável não é mais a palavra de ordem.  Estamos na era do passageiro. O que importa é curtir o agora e quando não mais interessa partir para o novo. As coisas perdem a graça tão facilmente e as pessoas quando deixam de ser novidade são colocadas de lado. Quanto mais, melhor: mais informação, mais tecnologia, mais relacionamentos, mais tudo, mas tudo que se dilui na velocidade do tempo que segue rápido demais.

É a sociedade dos relacionamentos descartáveis, do relativismo conveniente, dos envolvimentos frágeis, estamos de passagem entre nós. Como as coisas não são mais para durar, por que as relações seriam? Se posso me satisfazer com móveis e veículos novos, por que manter a mesma pessoa ao meu lado? Estamos mais insatisfeitos do que nunca. A demanda é tanta para tanta procura!

Os vínculos estão mais superficiais e sem raízes, há o vício da troca e a necessidade do último lançamento do mercado. Relacionamentos que são baseados em interesses e não mais por afinidades, crescimento e companheirismo, que terminam sem nem mesmo terem começado de verdade. Casamentos chegam ao fim na primeira frustração. Namoros que acabam porque quanto mais, melhor. Porém, o vazio existencial aumenta. Sós na multidão são milhares. Porções individuais fragmentam o todo. Pessoas como ilhas. O egocentrismo fechando o indivíduo em si mesmo.

Faz-se necessário saber que não somos máquinas e nem materiais descartáveis. Que viver apenas para satisfazer-se torna a vida pequena demais e as vivências rasas. Que o ser humano não é produto de troca. Que as relações não são transações convenientes. Centenas de pessoas buscam o movimento contrário, acredito nisso, que ensinam aos demais, de passagem, que ficar também é bom, permanecer pode ser essencial e redescobrir o outro a cada tempo torna as relações mais prazerosas e sinceras. 





Andréa Freire
Psicanalista
Artigo publicado no Jornal Leia Mais / Sorocaba - SP
Outubro de 2012

Do que é feito o amor?



Remexendo meu arquivo encontrei um texto que decidi compartilhar. Não sei precisar quando foi escrito, mas não havia chegado aos trinta anos e agora, quarentona que sou, volto a lê-lo mais uma vez com intensidade. Outrora na espera de ser amada, hoje tenho mãos com calos de quem amou. De arquitetos nos tornamos pedreiros do amor se de fato queremos amar. Publico abaixo um trecho do texto que escrevi com inspiração sôfrega.

O amor maduro não é fraco em intensidade, ele é apenas mais silencioso. Não é menor em extensão, é definido. Não é escondido, é humilde. Não é vaidoso, é seguro. Não precisa de presenças exigidas, pois se amplia nas ausências significativas. Vive apenas os problemas da felicidade, que são formas trabalhosas de construir uma vida em comum. Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro. 

Cresce na verdade e dispensa a ilusão. Não usa enfeites, flâmulas, medalhas, porque não busca fama, é humano. Não precisa de armaduras, pois está sempre exposto. Basta-se com o todo do pouco, não quer o nada do muito. Tem a capacidade de crer e continuar, é a valorização do melhor do outro, relaciona-se com a parte salva e vai buscar a que está perdida. Cria dimensões novas para emoções antigas, semeia fé, esperança, confiança e paz nos terrenos da imaginação. 

O amor maduro é pacífico, mas não desiste de querer, sentir e esperar, porque não se detém na dor, no cansaço, na derrota. Está relacionado com a vida e sua plenitude, por isso é pleno em si mesmo e torna quem ama assim, inteiro.

Andréa Freire
Psicanalista
Texto Publicado no Jornal Leia Mais / Sorocaba-SP
Novembro de 2012

Nina e Carminha: ligadas pelo sofrimento


A vingança da garotinha abandonada no lixão tem dividido opiniões, vejo até quem defende a madrasta má e se comove com seu sofrimento, de vítima, a mocinha se transformou em vilã. Rita/Nina colocou para fora tudo o que guardou dentro de si, com o ódio alimentado, até que pudesse devolver, na mesma moeda, o sofrimento vivido na infância! Por que não seguiu em frente, traçando um futuro diferente? Ou mesmo, não contou tudo à família Tufão, ao Batata/Jorginho e com ele viver o amor da infância?

Porque Rita/Nina se identificou com Carminha. A vítima espelhou o agressor. Um processo inconsciente que leva o indivíduo a repetir os mesmos atos do outro, ainda que estes sejam condenados por ele. Mesmo mudando de país, de família e de nome, não foi possível escrever uma nova história. Suas lembranças continuaram tão vívidas e revividas mentalmente, que o futuro só poderia ser um reflexo do passado. Até que, finalmente, ao ter a vilã em suas mãos, o inferno que estava dentro de si mesma tirou o céu da senhora do “divino”.


Rita ficou livre para agir e transformar em realidade suas fantasias contra Carminha. Bastou a oportunidade para que revelasse o quanto foi uma aluna aplicada. Aprendeu todos os golpes da mestra, até mesmo a interpretar, a parecer um anjo de candura, frágil e indefesa... Depois ser o próprio diabo em pessoa! Rita e Nina tornaram-se uma só!

Quantas pessoas, quando criança, passaram por situações traumáticas e agem como os agressores que as oprimiram! Na infância não temos o filtro que permite escolher os valores a serem seguidos, simplesmente podemos nos identificar com aqueles que nos fazem bem ou com os que nos fazem mal (os conflitos vividos não são compreendidos e superados, mas assimilados negativamente).

No caso de Rita/Nina, ela ainda manteve toda sua energia fixada em Carminha. A vítima, por “vontade própria”, permaneceu anos no cativeiro da inimiga. O trauma vivido: a perda do pai e do lar, precisava ser repetido como punição.  É possível mudar uma personalidade? Não. Mas seu caráter sim, seus valores e consequentemente seu jeito de agir e ver a vida, assimilar as experiências boas e superar as ruins.

Quanto a Carminha, nas cenas dos próximos capítulos, poderemos entender porque é a megera e não a mocinha do horário nobre!

Andréa Freire
Psicanalista
Artigo publicado no Jornal "Leia Mais" - Setembro de 2012
Sorocaba/SP